Façamos um exercício… de imaginação para uns
e de memória para outros, e vejamo-nos em Paris. Cidade do amor, capital da
moda, destino de sonho; mais especificamente no edifício piramidal do Louvre, no salão onde se encontra uma
das mais célebres pinturas que a história da arte e da Humanidade já teve a
sorte de conhecer. Falamos, claro, de uma das obras mais emblemáticas de Leonardo da Vinci, a Mona Lisa.
Que adjetivos qualificariam dito retrato?
Hediondo? Estranho? Enigmático?
Magnífico? Magistral? Magnânimo?
‘Sete vírgula dois’ milhares de milhão de
pessoas que poderiam descrever a mesma peça com igual número de adjetivos.
Mas será que o ambiente em que se encontra a
tela tem influência sobre a nossa percepção dela?
Como resposta lançámo-nos o repto de realizar
a manobra mental de conjeturar uma realidade em que esta pintura fosse retirada
do justo lugar - alcançado pelo talento do artista e da excelência do quadro –
e do contexto parisiense – que se apenas por fotografias absorve quem contempla,
o que não fará ao observador in situ -
e a encontrássemos na parede vil, vã, nua de história, adornada com sangue
inocente, restrita a visitas, de uma qualquer habitação construída com
dinheiro, desonestamente ganho, de um lorde dos negócios dúbios.
Como seria se La Gioconda não estivesse disponível aos olhos de quem cativa, de
quem sobre ela canta ou de quem sobre ela escreve?
Como seria se não estivesse enquadrada pela
moldura de Paris e a sua cultura?
Resumindo, como seria se não se encontrasse
no sítio certo?
Recorremos a outra analogia, mais simples,
com o intuito de reforçar a ideia que pretendemos estacar.
Onde se afigura mais atraente a mulher? Na
monotonia dos corredores de um supermercado, envolta num traje destinto, lavado
pelas amarguras da vida que de verdade vive?; ou na fila do cinema, vestida de
cores e elegância, cuja ilusão dos contornos se despe do título de truque e se
transforma na transparência que é ver magia pela primeira vez e, por esta mesma
razão, sabermos que essa imagem não vai além daquele momento?
Como acontece com os exemplos que
apresentámos, acontecerá, certamente, em todos os que o lúcido leitor deve ter
feito rolar na estrada do seu pensamento.
Ora, algo semelhante, acreditamos que ocorre
com os vocábulos que empregamos nas reflexões que produzimos e em todos os
demais textos que por deliberação de um coração frágil apenas revelamos, pela
cumplicidade que lhe devemos, à folha que os escuta.
Cada palavra encerra variadas e sempre
distintas aceções, cuja descodificação apenas deve ser feita sob o fino crivo
da razão aliada à capacidade de considerar, na análise, todo o conjunto de
ideias e outros termos que a envolvem.
Este ensejo justifica o não gostarmos de
ouvir que usamos palavras caras, ou difíceis, que se podem ter perdido na
ferocidade que o tempo, uso, memória e ignorância desembainham para utilizar
como arma, corrosiva do espírito desprovido de escudo que o defenda, e esquiva
do corpo que não acautela a sua investida.
Cada vocábulo, cada expressão, cada frase e
parágrafo são redigidos com propósito, cuidadosamente escolhidos e inseridos
num determinado ponto para proporcionar fluidez e coesão ao texto e coerência à
nossa linha de pensamento.
Ambos são revisitados amiúde, revistos e corrigidos.
Assim o fazemos porque pretendemos trabalhar no melhoramento da qualidade dos
mesmos, obrigando-nos à constante aprendizagem que o nosso brio demanda, tal
como as fraquezas do infante reclamam para si a contínua atenção de seus pais.
Alguém muito especial para nós, um dia
disse-nos: “Na língua portuguesa não existem
sinónimos; existem palavras cujo significado se assemelha a outro, mas cada uma
delas deve ocupar o seu espaço e o seu tempo ”.
Esta mensagem ressoa em nós como trovoada em
extenso campo aberto. A cada letra que a nossa mão desenha repercute-se mais
límpida e inteligível; a cada palavra que completamos mais robusta e vigorosa;
a cada oração, gravada até ao fim com a mesma meticulosidade de um escultor
renascentista, mais viva e fecunda.
A Mona
Lisa mereceu o Louvre. A rapariga bonita mereceu a ida ao cinema.
As palavras merecem, também, o seu sítio. Não
um qualquer, mas o sítio certo.