sexta-feira, 28 de julho de 2017

Reflexões De Sexta À Noite: Hoje É Dia De Descanso



E se hoje nos livrássemos de fadigas, cuidados e tormentos, de tudo o que enruga a pele que, por ora, jovem se conserva, e sucumbíssemos ao repouso, para que o trabalho não se habitue a ver em nós escravos dos seus incessantes pedidos?
Sabemos que muitos dos corpos que se encarregam de conduzir a lavoura com consistência, honestidade e integridade frequentemente colocam objeções ao descanso, por muito necessário que se revista e merecido lhes seja. Vêem nele uma não sei que fraqueza, uma tibieza de espírito que não emparelha satisfatoriamente com o pundonor que cunha a sua conduta.

Porque achamos que a maioria dos mortais merece o sossego e tranquilidade que uma poucas horas de lazer proporcionam, a nossa reflexão de hoje, lacónica que pareça, esconde, porventura, o tumulto que a autoanálise no âmago, incrustado de aparente indiferença, a custo procura manter tão serena quanto a consciência dos levianos. Quando se ergue o espelho e nos colocamos frente a uma perspetiva diferente, afigura-se uma imagem à qual os nossos olhos, geralmente, são cegos.
Como muitas boas pessoas fizeram connosco, permitam-nos os leitores cônscios, que o façamos convosco, e exibamos a reflexão do vosso eu.
Desta forma, terminamos com a questão:

“Mereço descansar?”

sexta-feira, 21 de julho de 2017

Reflexões De Sexta À Noite: No Sítio Certo



Façamos um exercício… de imaginação para uns e de memória para outros, e vejamo-nos em Paris. Cidade do amor, capital da moda, destino de sonho; mais especificamente no edifício piramidal do Louvre, no salão onde se encontra uma das mais célebres pinturas que a história da arte e da Humanidade já teve a sorte de conhecer. Falamos, claro, de uma das obras mais emblemáticas de Leonardo da Vinci, a Mona Lisa.
Que adjetivos qualificariam dito retrato?
Hediondo? Estranho? Enigmático?
Magnífico? Magistral? Magnânimo?
‘Sete vírgula dois’ milhares de milhão de pessoas que poderiam descrever a mesma peça com igual número de adjetivos.
Mas será que o ambiente em que se encontra a tela tem influência sobre a nossa percepção dela?  

Como resposta lançámo-nos o repto de realizar a manobra mental de conjeturar uma realidade em que esta pintura fosse retirada do justo lugar - alcançado pelo talento do artista e da excelência do quadro – e do contexto parisiense – que se apenas por fotografias absorve quem contempla, o que não fará ao observador in situ - e a encontrássemos na parede vil, vã, nua de história, adornada com sangue inocente, restrita a visitas, de uma qualquer habitação construída com dinheiro, desonestamente ganho, de um lorde dos negócios dúbios.
Como seria se La Gioconda não estivesse disponível aos olhos de quem cativa, de quem sobre ela canta ou de quem sobre ela escreve?
Como seria se não estivesse enquadrada pela moldura de Paris e a sua cultura?
Resumindo, como seria se não se encontrasse no sítio certo?

Recorremos a outra analogia, mais simples, com o intuito de reforçar a ideia que pretendemos estacar.
Onde se afigura mais atraente a mulher? Na monotonia dos corredores de um supermercado, envolta num traje destinto, lavado pelas amarguras da vida que de verdade vive?; ou na fila do cinema, vestida de cores e elegância, cuja ilusão dos contornos se despe do título de truque e se transforma na transparência que é ver magia pela primeira vez e, por esta mesma razão, sabermos que essa imagem não vai além daquele momento?

Como acontece com os exemplos que apresentámos, acontecerá, certamente, em todos os que o lúcido leitor deve ter feito rolar na estrada do seu pensamento.

Ora, algo semelhante, acreditamos que ocorre com os vocábulos que empregamos nas reflexões que produzimos e em todos os demais textos que por deliberação de um coração frágil apenas revelamos, pela cumplicidade que lhe devemos, à folha que os escuta.
Cada palavra encerra variadas e sempre distintas aceções, cuja descodificação apenas deve ser feita sob o fino crivo da razão aliada à capacidade de considerar, na análise, todo o conjunto de ideias e outros termos que a envolvem.
Este ensejo justifica o não gostarmos de ouvir que usamos palavras caras, ou difíceis, que se podem ter perdido na ferocidade que o tempo, uso, memória e ignorância desembainham para utilizar como arma, corrosiva do espírito desprovido de escudo que o defenda, e esquiva do corpo que não acautela a sua investida.
Cada vocábulo, cada expressão, cada frase e parágrafo são redigidos com propósito, cuidadosamente escolhidos e inseridos num determinado ponto para proporcionar fluidez e coesão ao texto e coerência à nossa linha de pensamento.
Ambos são revisitados amiúde, revistos e corrigidos. Assim o fazemos porque pretendemos trabalhar no melhoramento da qualidade dos mesmos, obrigando-nos à constante aprendizagem que o nosso brio demanda, tal como as fraquezas do infante reclamam para si a contínua atenção de seus pais.

Alguém muito especial para nós, um dia disse-nos: “Na língua portuguesa não existem sinónimos; existem palavras cujo significado se assemelha a outro, mas cada uma delas deve ocupar o seu espaço e o seu tempo ”.
Esta mensagem ressoa em nós como trovoada em extenso campo aberto. A cada letra que a nossa mão desenha repercute-se mais límpida e inteligível; a cada palavra que completamos mais robusta e vigorosa; a cada oração, gravada até ao fim com a mesma meticulosidade de um escultor renascentista, mais viva e fecunda.

A Mona Lisa mereceu o Louvre. A rapariga bonita mereceu a ida ao cinema.

As palavras merecem, também, o seu sítio. Não um qualquer, mas o sítio certo.

sexta-feira, 14 de julho de 2017

Reflexões De Sexta À Noite: O Nada Que Tudo Diz


Sobre que escrever quando o procurado tema, contido numa garrafa de vidro, navega à toa pelo cinzento mar de neurotransmissores e não encontra receptor postsináptico? Sobre que escrever quando o génio não encontra inspiração ou musa que a sua chama acenda?

A resposta refugia-se nesse mesmo mar. Apenas é tomada por correntes distintas e termina dando à costa e aí descansa… até que, após uma breve mirada pelo areal, recorrendo a linha em que abraça a água, sobre o sol poente, semicerram-se os olhos de desconfiança ao ver a cristalina vasilha.
Devagar, levantamo-nos. Sacudimos a areia que o suor obrigou a colar-se à pele e aproximamo-nos do local onde jaz a garrafa que, ocasionalmente, é banhada pelas ondas que carregam as lágrimas da nossa nação.
A medo, receosos da mensagem reservada, da solução por achar, invertemos a garrafa para que, sobre a palma aberta, caia a dita.
Recorremos as curvas do papel, humedecido pela ânsia da descoberta, com a pálida polpa dos trémulos dedos. Desenrolamos atentamente o tesouro que aguardamos e… eis que se revela o segredo. Nada! Vazio. Em branco!
Saímos desiludidos daquele momento. O desalento que se origina da espera. “Quem espera sempre alcança”, querem fazer crer; pois nós descobrimos que “quem espera, desespera”. Abre-se a porta à descrença, à deceção, ao desengano.
Aguardávamos umas quaisquer palavras, cifradas talvez, que nos guiassem; que nos conduzissem ao texto que queríamos escrever. Nada, apenas uma não menos críptica brancura suja num papel cuja reflexão escarlate acentua as marcas da passagem do tempo e das provações por que passou.

Desistimos, podemos dizer. Sem saber sobre o que escrever pensamos em não refletir esta sexta-feira à noite.
Vamos mas é sair!” – tentámo-nos convencer. “Dançar até que o zumbido nos ouvidos se escute mais nítido do que a música de fundo; até o primeiro sol do dia entrar pelas portas do bar; até que a distância que nos separa da rapariga do vestido amarelo no início da noite se reduza à cumplicidade de uns dedos em comunhão quando se levantar o crepúsculo da madrugada. Quem sabe, estando a musa encontrada, a inspiração virá com sua amiga.”

Mas quando se quer e procura… acontece que no momento de maior necessidade, os até então adormecidos, preguiçosos inclusive, residentes da caixa craniana, também conhecidos como neurónios, lá encetam o seu trabalho, e da mina de ideias, ainda por explorar completamente, extraem uma pequena peça da qual nós podemos fazer uso.
E BUM!; já quando decidido o nosso destino na sexta-feira estava, conectamos os pontos e damos sentido ao papel que achávamos vazio.
Concorremos à escrivaninha, na qual assentamos os nossos escritos, e percorremos com o olhar as suas gavetas até à que resguardava a folha.
Pegámos nela com as mãos firmes e rosadas, e perscrutámos novamente o seu conteúdo.
Em branco ela seguia, mas essa era exatamente a resposta que procurávamos.


Apercebemo-nos que o branco era uma oportunidade; o vazio do qual se cria, a ausência do que se torna presente; o nada que tudo diz.

terça-feira, 11 de julho de 2017

O Que Ainda Não Foi Escrito: Trovoada

O descampado que os olhos quase se esquecem de ver, espraia-se desde a janela do meu quarto, por largos metros - talvez uns poucos quilómetros -, até três mal distintas casas. Pelo que a visão alcança devem ser escaninho de toda a população da aldeia vizinha. Perdem-se os seus contornos pela chuva que eleva o característico odor que os terrenos molhados encerram até que um choro dos céus liberta a sua verdadeira essência. O aroma entra pela janela semiaberta e com ele traz a tristeza e a neblina que se abatem sobre esta noite de julho.
À névoa, que já deixava a noite vaga, aliam-se os relâmpagos que tornam a escuridão em clarões de trevas.

Hum…engraçado. Entre o retumbar dos trovões recordo ouvir, esta manhã, alguém comentar a vinda de mau tempo. De certeza que alguém já nevado, em colóquio de rua, ao encontrar uma cara amiga que partilhe com ele um esboço de sorriso, teria previsto a vinda da tempestade. Um dos seus joelhos a havia sentido, dizia. E a rapariga acenava afirmativamente a cabeça.
Já eu… eu não podia acreditar! Com os meus olhos via o sol raiar e, com o passar da manhã, o céu a tornar-se cada vez mais límpido e azul; com os meus ouvidos, escutava crianças cantarem a alegria de o serem e a doce voz da moça que, com o velhinho, trocava impressões sobre os fenómenos atmosféricos; com o meu tacto julgava as texturas que o calor empresta ao ar. Naquele momento, nada me faria crer numa reviravolta meteorológica.
Mas não é que a enferma articulação tinha acertado?!

A alma é bendita quando arrostamos a ignorância do nosso conhecimento e amaldiçoada quando o obstinado conhecimento não é suficiente para a reconhecer.
Serei tão tonto assim? Arrogante e incapaz de esgueirar-me da bolha egocêntrica em que me suponho e ouvir um velhinho na rua, cujas preocupações se dissipam na bondade de oferecer-lhe o meu tempo?
A rapariga sabia o que fazia. Libertou-se das correntes que a sobranceria impõe. Deixou de ser prisioneira da azáfama do dia-a-dia e dispôs do tempo para compreender a felicidade ao trazê-la aos outros.

Os nimbos desfazem-se em grossas lágrimas. Dançam com as aves noturnas, errantes por abrigo que as acolha, até beijarem o chão que as recebe.
Porque choras, céu? Pela insolência que este dia expôs?; pela crueldade da indiferença que mostrei a quem só queria tempo?; ou pelo idealizado namoro que, pela falta de audácia, se viu, antes de começar, no fim?
Porque gritas como uma mãe a quem arrancaram o seu menino dos braços? Gritas enfadado comigo, castigando os meus pensamentos obstinados?; gritas revoltado por saberes da solidão em que se vê mergulhado o pobre homem?; ou gritas de raiva por seres consciente que os anjos mais bondosos serem os que carregam os maiores problemas?

Caramba, ela não me sai da cabeça
Hum…engraçado! Uma estrela começa a espreitar no firmamento. A primeira da noite. E ainda há minutos bradou o cosmos e são…três da manhã!
Não sei se foram apenas as impressões que o rosto dela, em mim, cunhou ou se o ideal de mulher que infligiu, mas ela não me deixa a mente tranquila.
Quem se pode esquecer dessas mulheres que com um sorriso atacam diretamente o coração; que com um relance do olhar atiçam as borboletas já despertas pela sua figura; que, pelo suave gesto cativam a atenção de quem despende um segundo a contemplá-las; ou que, pela candura da conduta penetram a bolha egocêntrica com uma violência tal que a obrigam a implodir.

Olha, as nuvens começam a abrir! E, tímida, lança a lua os seus primeiros feixes de luz, ainda de soslaio, acompanhada de um coro de astros. A manhã, não tarda, começará a fazer-se sentir.
Interessante como uma desconhecida pode operar uma mudança interior com a força desapercebida do seu proceder. Algo tão simples, algo tão elegante!

Seis da manhã e não preguei olho!
O sol esforça-se por fazer esquecer que, de madrugada, a trovoada se fez sentir. O céu exibe um gradiente de tons de azul que vão desde o azul-escuro, carregado, quase negro da noite, ao azul-alaranjado, claro, vivo, de uma manhã de verão.

Hum…engraçado como o tempo trabalha!

sexta-feira, 7 de julho de 2017

Reflexões De Sexta À Noite: Algumas Razões Para Andarmos Nus!


Não podemos andar nus pela rua; nem correr, ainda quando uma aposta o estabelece no decorrer da sombra montada pela noite. Não podemos fazer o famoso xixi a céu aberto quando o músculo vesical dá sinal que a bexiga está no seu limite e que o músculo esfíncter é o último obstáculo que intercede a nosso favor por um final bem mais feliz que uma mancha húmida e mais escura no entrepernas.
Vejam lá, já nem uma mãe pode alimentar a sua cria publicamente sem que uns olhares perversos tentem perscrutar a incidência ou sem que umas miradas de virginal consternação rotulem o ato mais natural de sempre como insensível e traumatizante.
Mas esperem! Lindo é ver um bezerro a lamber as tetas da vaca. Ah, como é bela a natureza!

Quando a ramificação filogenética que gerou o ser humano fazia pouco que se havia desviado do ramo comum que partilhamos com os símios – certo é que alguns ditos “homens” apresentam comportamentos que sugerem que alguns, todavia, seguem nesse trajeto – o que descrevemos em parágrafos anteriores talvez não constituísse, para esses recém-formados hominídeos, qualquer tipo de problema.
Não nos parece que enrubescessem por urinar junto a um pequeno pinheiro. Caramba, até suspeitamos que não precisassem de se esconder da vista ou de consumir o líquido que deixa cair o véu do embaraço para que qualquer arbusto albergasse tão respeitável consequência da sua própria fisiologia.
A neurotransmissão, quiçá, ditasse que a necessidade apagaria o grilinho da consciência. Modularam-se vias neurológicas e desenvolveu-se um sentido de vergonha e, posteriormente, de pudor.
No entanto, não deve ter iniciado com o sentimento de que era de mau gosto a exposição dos caracteres sexuais. Pode que este aspecto venha da proteção dos mesmos quando, em caças às zebras, os trambolhões mazelavam mais essa área do que outra qualquer.

Fazemos um à parte para louvar as Homo erectus de Cascais que, na sua época, não teriam problemas em ver um belo espécime a bambolear as bonitas jóias que hoje tanta questão fazemos de encofrar. Salut!

Concluindo, evoluímos. Algo que tanto nos conduz ao encontro do melhor que podemos ter como do pior que podemos desenvolver; que nos conduziu tanto a um certo pedantismo com origem numa sociedade déspota, que do topo da sua insustentável soberba faz vozear em tom condenável o que tão natural é, relegando para plano secundário o verdadeiramente censurável, como ao desenvolvimento de regras com fundamento e intuito de proteção da saúde pública.
O resultado vê-se no seguinte exemplo: Podemos ter um pénis esculturalmente cinzelado digno de ser exposto e apenas umas poucas sortudas terão a oportunidade de apreciar a obra.

Terminamos a nossa reflexão com a exposição da causa que nos levou a escrevê-la: num período de três dias assistimos, por duas vezes, à exposição pública dos genitais masculinos; uma delas protagonizada por um senhor de meia-idade e cambaleante que, meio escondido pela vegetação, encontrou recetora para as consequências da fragilidade que o avançar da vida carrega e a outra por uma criança que sob as ordens da mãe demonstrou a salubridade dos infantes rins no solarengo aparcamento de um supermercado.

Imaginamos que pela simples recriação que o tablado da nossa cabeça sustenta ao rememorar ambas as situações, o mesmo efeito se opere no leitor, se o nosso trabalho como dramaturgos, com competência, foi executado. De maior louvor será esse mesmo trabalho se as reações que descreveremos corresponderem às vossas.
Esperemos apenas que os atores terminem a peça que o encenador, em esmeros, se desdobrou, para preparar.

Findada a dita, avançamos. A reação que desperta em nós uma das cenas é um sentido de pudor repugnante, ao passo que a outra de riso.
Isto leva-nos a acreditar que o nosso sentido de pudor é seletivo e se pode manifestar de modos distintos.
Há algo que apela ao humor ao ver um miúdo, pequerrucho e inocente, cujas vias neuronais todavia se conservam primitivas, a urinar em frente aos olhos do mundo. No entanto, a vergonha bate à porta quando a neurotransmissão determina que a aversão e a consternação serão o resultado das ações de um pobre homem quando, num relance de olhos, o apanharmos em momentos que se tornaram interditos aos demais.  


Afinal, o pudor não é mais que neurotransmissão fora de prazo.