Alcançar
o derradeiro momento sem carregar às costas a cruz do arrependimento é um
contrato que a maioria de nós não leria duas vezes antes de assinar.
Solicitávamos o empréstimo duma caneta e num piscar de olhos a nossa rubrica
luziria, inequívoca, sobre o papel.
Poder
chegar ao término vital sem ter aquele pequeno, chato e inoportuno grilo na
parte de trás das nossas cabeças a estridular, como quem recita uma infinita
lista, a totalidade dos nossos enganos, erros e falhas seria um sucesso que nos
levaria com um brilho nos olhos e um sorriso nos lábios. Mas será que
aconteceria como relatamos?
Não nos
parece que tenhamos que envelhecer muito mais para nos apercebermos que o que
descrevemos não acontecerá. Não somos os maiores crentes no destino, mas duvidamos
que para alguém esteja guardada essa ocorrência.
Sempre
que uma decisão necessita de ser tomada, e nós como guias desse juízo, está-nos
fadada a possibilidade da lamentação e, para uns poucos, a capacidade de
deliberação sobre as condições que nos levaram a optar pelo rumo que adotamos e
o porquê das consequências serem as que nos aguardam. Ou, quiçá, pior: o porquê
de termos tomado a decisão de, simplesmente, não optar.
Conduzir
a nossa existência a salvo de contrição seria um indicador de uma cabeça vazia
ou de um ser humano perfeito. Como não há registo de alguma vez termos
encontrado semelhante entidade, excetuando na elevada conta que determinados
indivíduos se ostentam, a opção que permanece, deverá ser a verdadeira.
Quem faça
uso da sua consciência – uma das mais perigosas armas que a humanidade
desenvolveu e das menos e pior utilizadas – facilmente concluirá que o
arrependimento é de ocorrência fácil e que não tem de encerrar o significado
negativo que lhe é atribuído.
Só se
arrepende quem decide, quem busca na firmeza de carácter o melhor procedimento
a seguir. E a
inevitabilidade de que as más decisões nos encontrem durante o percurso e que
nós não as saibamos reconhecer está sempre presente. É aqui onde descobrimos
que o arrependimento não abriga somente uma faceta tenebrosa. Afinal, o sol,
mesmo pela mais pequena fresta, consegue refulgir onde a sombra domina.
Quando a
resolução encontrada se revela desditosa, infausta ou impróspera é quando temos
oportunidade de aprender. E quanto mais novos somos mais espaços temos para
preencher. E assim se explica que a maioria das nossas dores sejam contraídas
nesse período onde o sangue é
novo e quente, a cabeça imprudente e o orgulho…demasiado.
E ainda
que seja fundamental ouvir a experiência dos mais velhos, a quem o tempo e o
sofrimento se encargou de encanecer os cabelos outrora trigueiros de juventude,
há certos ensinamentos de que se tem de encargar a nossa própria vida de
transmitir. Há situações, há factos que não podem ser contados; têm de ser
vividos. E vão nos custar. Caramba, se nos vão custar.
E neste
momento, enlutado o espírito, em vão, procuramos reprimir aquela voz que nos
castiga. Arrependermo-nos por algo que fizemos pode pesar imenso nos ombros,
mas supera-se ao longo da viagem. Todavia, arrependermo-nos do que não fizemos
ou dissemos mas que sabemos que devíamos ter dito ou feito deixa o vazio que
nada ocupa, deixa a cicatriz que nem o tempo cura, deixa a revolta que nem a
memória apazigua.
Reconforta
saber que ainda que o sol amanhã nasça, a brisa de ontem estará, eternamente,
connosco.